domingo, 13 de junho de 2010

Capoeiras-Açores com um morro no meio


A previsão do tempo dizia sol e eu só queria pedalar. Convidei vários amigos para uns oitenta e tantos km, mas era dia dos namorados e “minha alma geme por você”, aquelas coisas. Então, antes de o sol abrir suas pálpebras fumegantes, pão com manteiga, duas bananas, água, Hipoglós e um alongamento mal feito, misto de expectativa e preguiça.
No local combinado, ninguém. O céu pigarreava uns cinzas vulcânicos lá pelas bandas do Cambirela. Mas, olhando para o “pedacinho de terra perdido no mar” tudo era azul. Saí às 7h em ponto. No trapiche da Beira-Mar resgatei Tereza, nossa querida amiga. Ela estava empacotada com uma blusa de lã preta por debaixo da jaqueta e por um momento pensei no Alasca. Desci da bicicleta para abraçá-la, porque se não abraço meus amigos o dia não amanhece. Agora, sim, o dia era amarelo, elo por elo.


Fomos numa fofoca de “agora tu vê” e “deixa eu te contar” até o pé do Morro da Lagoa. Quando alcançamos o joelho da morreba, Tereza disse: “pode ir que eu te encontro lá em cima”. Eu fui tartarugando contra a gravidade até os olhos azuis desse “moço”. Com morro e dor ninguém acostuma! Cheguei meio desfalecido lá pelas 8h. Dois minutos depois chegou Tereza. Água e foto e “vamo-nos embora?!”


Você já foi à Lagoa, nega, não? Então, vá! Basta despencar! Então, vá! E pode gritar! Então, vá! Deixe se levar! Então, vá! Não vá se esborrachar! Então, vá!!! O asfalto estava molhado e tive que frear com muito cuidado para não cair dos cotovelos verdejantes do paraíso. Era preciso cautela, um desafio pra mim, uma alegria pra ela. Tereza sabe pilotar e é veloz! Entramos juntos no centrinho da Lagoa, passamos pela ponte das Rendeiras e Osni Ortiga no olho dos outros é brincadeira! Apertei o ritmo para 35 km e mantive até que a Lagoa ficasse pra trás, com Tereza colada em minha roda. Subi a primeira ladeira, desci. Subi a segunda, desci. No Rio Tavares, em frente à igrejinha de pedra, notei que Tereza havia ficado, pois sua corrente não entendeu a troca de marchas e desabrochou como a chumbada de uma tarrafa desenhando uma rosa no ar. Não colhi o botão da cena. Por isso, esperei pelo perfume na entrada da Lagoinha do Campeche, enquanto enchia os frascos vazios das minhas células animadas.


Na praia do Campeche o bicho pegou por dentro. Depois do asfalto veio um trecho de barro, um de lajota e novamente asfalto até o Morro das Pedras. Na reta da Lagoa do Peri descemos a marcha, vento a favor, picos de 40 km e Tereza na roda! Passamos pelo trevo da Armação e tocamos forte até o Pântano do Sul. Então, foi só dobrar à direita e éramos o recheio entre o pasto e o mar! Quando acaba a avenida dos Açores começa um trecho de lajota que leva à Costa de Dentro. Aí tem uma faixa de pedestre que marca nossa chegada: 09h:30min Gosto de encerrar essa parte num sprint, que é pra minha cabeça de menino dizer pro corpo que envelhece: “Se não aguenta, por que veio, peste?!” Tereza Também fez seu sprint. Depois tocamos até a Praia dos Açores, que é simplesmente linda! E de tanta foto e alongamentos, a fome bateu, o que me fez entrar num mercadinho, almoçar três barras de cereal e pedir cinco bananas de sobremesa!

Voltamos com um vento contra que às vezes vinha em pequenas rajadas, dificultando o pedal. Por isso, decidimos voltar pela Costeira. Antes do trevo do Campeche encontramos o trânsito parado. Sinto uma certa perversão quando isso acontece, pois ao ultrapassar com minha bicicleta BMWs, Mercedes e Ferraris, observo os olhares emputecidos dos motoristas, indignados com a relação custo-benefício.


Na Ciclovia Sul, acatei a sugestão de Tereza e fomos descansar no primeiro trapiche em frente aos ranchos de pescadores. Pedalamos sobre o trapiche de madeira de quase 100 metros de comprimento. Voltamos às fofocas do “isso é pa tu vez”, “caldique”, “sei que lá, sei que lá, sei que lá”... Ao meio-dia nos despedimos na cabeceira da Ponte, ela, alegre como uma ilha, eu, feliz feito um continente.

Prof. Charles

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