quarta-feira, 26 de maio de 2010

Zero com estrelinhas


Além dos já conhecidos benefícios, muitos esportes também produzem a imagem de uma letra poética: o “S” do surfista na página azul, o “i” distante do pára-quedista, o “K” do tenista, o “T” do ginasta, o “Y” do nado borboleta, o “M” do hipismo, o alfabeto incrível dos jogadores de futebol. Quando me decidi pelo “O” dos pedais, ainda não tinha clareza do universo milagroso desse círculo. E por não ser, para mim, um ofício, o prazer foi tomando viço.

Em cima de uma bicicleta os sentidos afloram. O ser urbano sai de cena e dá espaço ao antigo ser humano: o caçador. O instinto de sobrevivência obriga o ciclista a usar o tato para sentir o terreno, a visão para escolher o caminho, a audição para fugir do perigo, o olfato para obter pistas, o paladar para degustar a caça, a suculenta magia selvagem da liberdade.

Quem pedala percebe o mundo em detalhes. Aeronaves, automóveis e motocicletas, mesmo a passeio, abreviam a paisagem. Suas asas e seus motores possantes primam pelo conforto e anseiam pela chegada. A bicicleta é mais delicada, desacelera o tempo, flutua no silêncio das sombras que suspendem o caminho.

Pássaros e ciclistas tocam o vento. E quem se aventura a tirar as mãos do guidão abre as asas e voa! É nesse instante que os pardais se empoleiram nos selins, porque nas árvores só há ninhos de palha, não de felicidade. Pardais são vira-latas sorridentes do espaço, ciclistas são anjos da Ciclovia Láctea. Importa menos decifrar-lhes a linhagem que o canto.

Nas trilhas do interior, pedalar sob estrelas é fazer música. Tudo começa com o deslizar das notas de borracha sobre a partitura ocre da poeira. Os grilos cantam, a lua dança. E a percussão das pedrinhas balança as curvas sinuosas dos riachos. Se as cigarras sapateiam um flamenco, duendes vão à valsa. E basta que se acendam os faróis para que se ouçam os aplausos incontroláveis das mariposas. Há uma fragrância enraizada nos suspiros apaixonados da natureza.

Nas feiras, as frutas exalam o odor aprisionado das caixas. Nos campos, o perfume livre dos frutos pedala nas narinas dos ciclistas. Empinam-se goiabas; equilibram-se pitangas; manobram-se araçás. “Quem vai querer comprar bananas?” Não é preciso “melanciar” o pensamento em fatias para ver que só a bicicleta tem o nariz capaz de respirar a alma verde do planeta.

Ao girar os pedais, aciona-se a roda da vida, volta-se aos tempos de criança. Eu tinha uma professora que me dava zero com estrelinhas. Eu achava aquilo lindo! Os colegas que tiravam dez não entendiam meu encantamento pela nota ruim. É que eu não sabia desenhar. Então, o resultado escrito em vermelho no alto da minha prova passou a ser o veículo com o qual eu fugia (e ainda fujo!) para o mundo depois da escola.

Meus colegas e minha professora não podiam ver, mas estava tudo ali naquele zero com estrelinhas: o sol enrubescendo o horizonte, as estrelas curiosas se acotovelando no céu, o “O” frenético dos pedais escrevendo as voltas que eu daria pelos trópicos da esperança. A minha prova vazia era repleta dos símbolos poéticos do infinito. Mas isso, só a bicicleta sabia.
Prof. Charles

Noite agitada na Liga da Justiça


Quando o Superman Rinaldo e o Homem-Elástico João entregaram a missão daquela noite, todos os Super-Heróis tremeram em cima de suas bicicletas. Só se falava de morro 1, morro 2, morro 3, e eu quase que morro de vez! Saindo da sede da Liga da Justiça, o campo de batalha ficava à esquerda, mas fomos orientados a atacar pela direita. O Homem-Elástico João puxava a fila. Um aroma agradável tomava conta de Campinas. Tirada às pressas da corrida maluca, Penélope Charmosa Aninha fora escalada para reforçar a Liga da Justiça, o que explica o caminho borrifado pelo perfume francês.

Em silêncio, entramos na ciclovia da santa cidade, como diria o Batman Marquinho e seu amigo Robin Luiz. Subimos o morro do Hospital Regional, subida que deixa os Super-Heróis já meio sem fôlego. Daí, cruzamos a BR 101 e usamos nossos superpoderes para atingir picos de alta velocidade, embora não tenhamos conseguido acompanhar o Nando The Flash. Espaçonaves novas também dão problemas. Ao passarmos por uma nebulosa a corrente propulsora da supernave do Caçador de Marte Izoel se soltou, impedindo o fluxo de energia responsável pela acrobacia noturna. Vários Super-Heróis notaram o problema, mas como viram o Homem-Elástico João prestando socorro decidiram parar mais à frente.

A parada dos Super-Heróis se deu num posto mal assombrado, à beira do Lago da Bosta, no planeta “Cocódramo”. Um vira-lata espacial mostrava os caninos assustadores à Liga, que nesses momentos desligou devido ao frio na barriga. A temperatura daquele planeta passou a congelar a poderosa musculatura dos Super-Heróis. O Lanterna Verde Petry sugeriu que continuássemos girando os pedais de nossas espaçonaves, o que aos olhos dos habitantes da região foi como uma chuva de meteoritos. Sinaleiras e faróis piscando, ziguezagueando na escuridão gelada, espirros, espera, apreensão, tudo isso começou a mexer com o sistema nervoso da mulherada. A Mulher-Gavião Tereza e a Mulher-Maravilha Raquel, passaram, então, a procurar uma moita para um super-xixi.

A pane na nave do Caçador de Marte Izoel começou a preocupar o grupo, pois à medida que o tempo passava inalávamos litros daquele ar pestilento. A Penélope Charmosa Aninha se desesperava, pois nem seu super perfume francês era capaz de disfarçar a morrinha do Cocódramo de Forquilhas Beach. Movidos pelo senso da Liga da Justiça, o Superman Rinaldo resolveu resgatar os que ficaram para trás e foi acompanhado pelo Aquaman Elyandro e pelo Vingador Fantasma Luciano. Entretanto, no esvoaçar das espaçonaves em busca de aquecimento, ninguém notou a iniciativa filantrópica dos três Super-Heróis, que se retiraram sem o costumeiro aviso.

Quando o Caçador de Marte Izoel finalmente resolveu o problema mecânico, a cueca do Homem-Elástico João se prendeu num galho de goiabeira à beira da estrada e o arremessou para longe da rota traçada, levando consigo o Caçador de Marte Izoel. Por isso, o grupo de resgate não os encontrou. No posto, a catinga de cocô e o frio nos castigavam. Por isso, o Batman Marquinho não parava de reclamar ao Robin Luiz: “Santa bosta, Robin, santa bosta!!!” Essa dupla dinâmica é muito engraçada. Em toda Batmissão há uma piada nova. E mesmo naquela hora difícil, bastava olhar para eles que a alegria da amizade tornava menos tensa a situação.

Duas luzes se aproximaram velozmente do grupo. Aos gritos de “Vamos!!! Vamos!!!”, todos seguiram o Caçador de Marte Izoel e o Homem-Elástico João, sem perceber que deixávamos para trás o Superman Rinaldo, o Aquaman Elyandro e o Vingador Fantasma Luciano. Só depois de um longo trecho demos falta dos três. Preocupado, O Caçador de Marte Izoel pegou de seu superfone, mas em Cocódramo tudo é uma bosta e não havia linha, só galinhas... “Santa roubada, Batman, santa roubada!”, gritava Robin ao constatar que nem o batcelular funcionava. The Flash Nando foi e voltou várias vezes no último trecho, mas nada de encontrar os três Super-Heróis perdidos. Mas de repente, três luzes surgiram por entre uma montanha de fezes: eram eles, indignados pela falta de companheirismo dos demais! “Santa, encrenca, Batman, santa encrenca!!!”, sussurrava o menino prodígio Luiz.

Na verdade, os Super-Heróis são muito unidos e tudo não passou de uma cascata de desencontros, o que não tira a razão dos três esquecidos ficarem magoados com todos integrantes da Liga da Justiça. Desfeito o mal-entendido, todos uniram suas forças para combater o mal de sempre: o mostro KILÔMETROS. Desavisada, a Batgirl Simara foi atingida por um espinho venenoso desse temeroso monstro, que lhe furou o pneu e entortou o aro. O Homem-Elástico João, já com a cueca consertada, entrou em ação imediatamente e prestou socorro à sua amada. Enquanto o reparo se dava, A Mulher-Maravilha Raquel e a Mulher-Gavião Tereza foram abduzidas por uma gigantesca moita, às margens de um assombroso Cemitério Sideral. Depois de tragar as duas, a moita subiu no galho, deu dois suspiros e depois morreu... Uma viatura da polícia espacial apareceu para fazer o BO da moita e o enterro deverá ser no planeta Cocódromo, no Lago das Bostas.

Na estrada geral de São Pedro, o câmbio do Arqueiro Verde Charles não aguentou as investidas de KILÔMETROS e sua nave ficou à deriva. Imediatamente, o Homem-Elástico João emendou uma câmera na outra e o rebocou por um longo trecho, dizendo a todos que se preparava para escalar o Morro da Igreja, em Urubici. Quando ele cansou, outros Super-Heróis passaram a socorrer o amigo. O Aquaman Elyandro, com suas mãos de tsunami, surrava as costas do pobre Arqueiro Verde Charles. O Caçador de Marte Izoel quis empurrar o amigo pela bunda, mas foi repreendido pelo The Flash Nando, que disse alto e em bom tom: “Você tem duas horas para tirar suas mãos daí!” Dito isto, o próprio The Flash Nando passou a dar uma empurradinha na vítima. Mas o Vingador Fantasma Luciano não deixou os super-heróis tomarem conta sozinhos do amigo e se encarregou de empurrá-lo durante vários trechos. Quase todos o empurraram. O Arqueiro Verde Charles concluiu o trecho sendo empurrado pelo Aquaman Elyandro e pelo Superman Rinaldo.

Como prêmio pela missão cumprida, houve um sorteio feito pelo Gavião Negro Beto. O vencedor foi o Homem Invisível, que ganhou uma camiseta do Brasil e ficou tão feliz que foi pra casa cantando como um canarinho.

Mais tarde, no refeitório da Liga da Justiça, em cima de um frango com cebola, todos riram e choraram suas mágoas, pois a família Pedal Continente é essa mistura de Super-Heróis, cada um com seus poderes especiais e surpreendentes!

Um beijo grande do Arqueiro Verde,

Prof. Charles.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Balada das meninas de bicicleta



Meninas de bicicleta

Que fagueiras pedalais

Quero ser vosso poeta!

Ó transitórias estátuas

Esfuziantes de azul

Louras com peles mulatas

Princesas da zona sul:

As vossas jovens figuras

Retesadas nos selins

Me prendem, com serem puras

Em redondilhas afins.

Que lindas são vossas quilhas

Quando as praias abordais!

E as nervosas panturrilhas

Na rotação dos pedais:

Que douradas maravilhas!

Bicicletai, meninada

Aos ventos do Arpoador

Solta a flâmula agitada

Das cabeleiras em flor

Uma correndo à gandaia

Outra com jeito de séria

Mostrando as pernas sem saia

Feitas da mesma matéria.

Permanecei! vós que sois

O que o mundo não tem mais

Juventude de maiôs

Sobre máquinas da paz

Enxames de namoradas

Ao sol de Copacabana

Centauresas transpiradas

Que o leque do mar abana!

A vós o canto que inflama

Os meus trint'anos, meninas

Velozes massas em chama

Explodindo em vitaminas.

Bem haja a vossa saúde

À humanidade inquieta

Vós cuja ardente virtude

Preservais muito amiúde

Com um selim de bicicleta

Vós que levais tantas raças

Nos corpos firmes e crus:

Meninas, soltai as alças

Bicicletai seios nus!

No vosso rastro persiste

O mesmo eterno poeta

Um poeta – essa coisa triste

Escravizada à beleza

Que em vosso rastro persiste,

Levando a sua tristeza

No quadro da bicicleta.


(Vinícius de Moraes)

A bicicleta de Irina Dunn



Um peixe de bicicleta
Equilibra-se como pode.
Ele avança dentro d’água
De um mar sem ciclovia
E quase perde o equilíbrio
Com o guidão da maresia.
Pois um peixe de bicicleta,
Dentro do mar de espuma,
Segue, contra a corrente,
Com os pedais de bruma,
As rodas luzindo ao sol,
Sem corrente nenhuma.
Levo Irina na garupa
E pedalo em linha reta
Pois Irina disse um dia
(Mas não sei se estava certa):
“Mulher precisa de homem
Como um peixe, de bicicleta.”

(Sérgio Caparelli)

Nota do autor:

Irina Dunn, feminista
australiana, disse certa
vez que a mulher precisa
dos homens tal como um
peixe precisa de bicicleta.
Trata-se de um slogan
feminista, sugerindo que
os homens são supér_ uos
às necessidades da
mulher.

Bicicleta




Duas rodas, dois pedais e um ser humano com sua mochila de sonhos nas costas. Esta é a imagem que eu tenho quando falam de bicicleta. Dizem que “Quem aprende a andar de bicicleta jamais esquece”. E isso é verdade! Mas por que será?

Com certeza é por causa da emoção que sentimos quando aprendemos a andar de bicicleta, a sensação de liberdade, de independência, fazendo percursos diferentes dos já impostos pelas ruas e avenidas. Isso tudo fica gravado em nossos corações. Mas, hoje, esse romantismo dá lugar a uma visão bem mais concreta e funcional. Muitos usam a bicicleta para o lazer, outros para esportes de correr. Tem ainda os que fazem dela o seu meio de transporte para sobreviver.

Seja na cidade, seja no campo, a bicicleta não é um transporte “alternativo”, como muitos querem qualificá-la. É o melhor transporte, pois tem grande variedade de funções e muitas qualidades:
· Não polui.
· Faz bem à saúde.
· Tem baixo custo de manutenção.
· Ocupa pouco espaço no trânsito e no estacionamento.
· Não faz ruído (a não ser o ciclista, quando perde o fôlego).

Resumindo: a “magrela é show de bola”! Inclusive para quem quer ficar magrela... O lixo precisa ser reciclado; o transporte precisa ser repensado; a bicicleta precisa ser reavaliada...
E essa reavaliação inclui qualidade de vida e segurança no trânsito para os ciclistas poderem fazer os seus programas de lazer e de trabalho: o ciclista pedalando atento ao trânsito e aos pedestres, mas sem medo de ser feliz...

Bicicleta não combina com tristeza, medos ou receios. Ela combina com liberdade, agilidade, tranquilidade e felicidade. Seja uma top de 27 marchas OCLV Red Carbon, seja uma velha “magrela” de ferro, não importa, a bicicleta faz o que precisa ser feito com muita propriedade.
Ela existe há tanto tempo que não se pode precisar quando surgiu. E só agora está sendo valorizada pelo bem que ela faz à natureza e à saúde dos ciclistas.

A cidade agradece, pois na medida em que a bicicleta vai tomando seu espaço nas vias públicas, os carros vão ficando em suas garagens. Menos fumaça, mais saúde.

O ciclo dos motoristas está longe de ser completado. Mas o ciclo dos ciclistas está só começando!

Bicicleta: um dia você vai pedalar a sua novamente!


Dudu Cruz, 7 de maio de 2010.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Rangão após o pedal da mais bela das terças


Pessoal,

Quero agradecer pela excelente companhia nesse que foi para mim um dos melhores pedais que já participei.

Vejam como terminou isso tudo...

Abraços...

Ricardo

................................................................................

Pessoal

Deste dia guardo a lembrança de quão rápido foi o atendimento ao pneu furado do Ricardo.

Do pessoal que ficou atento ao trânsito, depois de eu ter sido taum chato.(desculpae!!!)

Da bela e agradável noite que até então ameaçava chuva.(quem é de açúcar e foi jogar vôlei nem sabe o que perdeu)

Dos novos colegas que espero terem apreciado o passeio com este grupo de ciclistas amadores(amadores ciclistas??).

Da disposição dos colegas em aproveitar a noite, de forma entusiasmada.(ahhh muleque!!)

Do frio gostoso, e dos faróis das bicicletas em fila indiana cortando a neblina em Biguaçu (farol bom: melhor investimento que eu fiz).

Do Mestre Rinaldo que tava possuído!!!, queria carregar nas costas um colega até o Kobrasol. (O cara tava possuído!!!)

Do esforço que as meninas resfriadas ou famintas demonstraram ao pedalar por tanto tempo. (imagino a força do pedal de quinta qdo elas estiverem 100%)

Do esforço que as meninas resfriadas ou famintas demonstraram ao me aturar na puxada. (desculpae!!!)

Do número reduzido de paradas.(na ida!!)

Da caça a um cachorro quente aberto por todo Kobrasol.(num podia contar essa?)

Depois disso tudo... dormi feliz e em paz.

Vem na roda!!
Petry

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A mais bela das terças


Mestre Rinaldo dá seu grito: “Vambooooora!!!” E uma mancha laranja é pichada nas esquinas do mundo! Nossa camisa cintila como uma chama a nos lembrar que há várias maneiras de seguir o caminho da luz. Nós, por exemplo, seguimos de bicicleta. Lajotas, lombadas, buracos, bueiros, canteiros, meio fio e lá vai a fieira de ciclistas se desenrolando pela estrada afora...

Primeiro trecho

João imprime um ritmo médio desde o começo. Atrás dele um curto-circuito de 22 vaga-lumes deixa um rastro de faíscas vermelhas. A jaqueta branca que as meninas vestem lembram asas de anjos. Aninha, Karolzinha, Raquelzinha, Simarinha e Terezinha, cinco angelicais criaturas. Protegidos pelo quinteto divino e acompanhados pela sinfonia dos grilos do meu pedal, seguimos às margens da 101, em direção a Biguaçu, numa delícia de sobe, desce e desaparece.

A primeira parada acontece no posto de gasolina que dá acesso a Antônio Carlos. Um a um os insetos vão chegando. Contam-se lanternas, vendem-se sonhos, trocam-se sorrisos. Nossa amizade vai alheia ao comércio do mundo.

Segundo trecho

No paralelepípedo os neurônios estouram que nem pipoca. E pode me passar o guaraná, porque Ricardo Pit Stop está com o pneu furado. Durante a troca um pinscher assustado vem farejar o acontecimento. O animalzinho mais parece um cervo frágil com pernas de graveto e olhos esbugalhados. E quando ele passa entre as pernas do Ricardo, penso em Ideiafix, o cãozinho de estimação do Obelix. Se o Ricardo estivesse só, decerto que usaria o pinscher como fita antifuro. Eu batizei o pequeno cão de “Gigante” para dar mais coragem ao pobre camundongo fantasiado de cachorro.

A roda está pronta. Gigante caminha em direção a Raquel e some. O trote do paralelepípedo vai se transformando aos poucos na marcha elegante do asfalto. Nosso pangaré crioulo toma ares de um imponente camelo. Porém, antes de entrar no deserto é preciso que nos abasteçamos de água. Enquanto nos hidratamos, um simpático gato branco pinta a noite, ávido de companhia. Ao encher minhas caramanholas o bichano ronrona e se enrosca em meus pés, que depois de um pedal cheiram a rato podre. De súbito, o gato branco cruzou a estrada em direção a Raquel e sumiu como Gigante, sem deixar rastros.

Gênios têm parafusos a mais, ciclistas têm raios a menos. E os loucos de Antônio Carlos têm a Barra Forte para voar... Cantamos parabéns ao rapaz, pois hoje ele está fazendo 21 anos. Notamos que aquele cérebro gira livre, sem pedivela para impulsionar, nem coroa para consagrar o reino em que vive. Sem bolo para comemorar, conduzimos nossos camelos ao deserto.

Terceiro trecho

Estamos parados sobre uma pequena ponte ouvindo as provocações zombeteiras de João. Ele diz que agora o bicho vai pegar, que é sangue no "zóio" e faca nos dentes! Tá liberada a socadeira!!!

Os camelos atacam a escuridão com saltos audaciosos. Poeira e neblina embaçam nossa visão. É preciso instinto para caçar a liberdade, experiência para não provocar a ira dos buracos e coragem de poeta para cantar a noite: “Pode seguir a tua estrela, o teu brinquedo de star, fantasiando em segredo o ponto aonde quer chegar!” Percebo no rosto de meus amigos que cada um é o poeta de si: “Meu amor, o nosso amor estava escrito nas estrelas, tava, sim!” Sinto que todos guardarão a poesia simples desse instante eterno, porque ouviram os astros: “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto, que, para ouvi-las, muita vez desperto e abro as janelas, pálido de espanto!”

Quarto trecho

Asfalto, velocidade. Jair, João, Alexandre, Elyandro, Simara, Aninha, Castilho, Izoel, George e eu puxamos o grupo. João pede que eu olhe para trás e veja o magnífico colar de brilhante que se pendura no pescoço das curvas. Como é lindo o espetáculo dos faróis! Meu coração é a lua cheia delirando sobre o cortejo pirilâmpico das bicicletas. Lágrimas infantis escapam de meus olhos e vão brincar com seus triciclos prateados no quintal da minha pele. Choro de encantamento! Choro de ternura! Choro por dentro e por fora! Choro porque a delicadeza do momento desenha os braços de uma saudade antiga! Choro porque me entrego à vida!

O Pedal Continente não é uma ilha. Para ingressar no grupo basta espremer a laranja do desejo diante do espelho e falar à imagem amargurada: “Meu limão, a vida não é só vitamina C, há todo movimento do complexo B: boca, beijo, baile, braile não é pra você!” Não fique só no tato, tente! Se, por um lado, nosso grupo aumenta o número de atletas, por outro, diminui atritos do dia a dia. “Leve é o pássaro: e a sua sombra voante, mais leve. E a cascata aérea de sua garganta, mais leve...”

No sprint final desse trecho Jair se consagra o príncipe do asfalto. Dono de uma pedalada redonda e de uma passada forte, brinca com todos nós. Meu amigo Alexandre esbanja elegância no estilo descontraído de girar os pedais. Subindo, descendo ou pedalando nas retas ele se mantém relaxado. À frente, Elyandro e João são duas carrancas vikings espantando os perigos da noite. Trovão, tempestade, raio, furacão, nada é capaz de detê-los.

Em vários pontos desse trecho pedalamos acima de 40 km/h, por isso, aqui em Três Riachos, sou um rio de suor. Mergulho meus pés no chão enquanto espero pelos demais. A galera tocou forte e em menos de um minuto já está reunida para um gole d’água, um dedo de prosa e um mundo de sorriso. A satisfação é geral! O pedal está fantástico!!! Todos vibram!!! Sinto a necessidade de cumprimentar um a um pelo excelente desempenho do grupo. E assim o faço.

Último trecho

Ricardo e Castilho surpreendem pela disposição e evolução no pedal. Estão andando muito! Às margens da 101 eles parecem voar. Em plena subida, Ricardo fica em pé na bicicleta e me ultrapassa com fôlego de montanhista. Castilho adquire ares de menino e não permite minha fuga. Eu me acomodo atrás das rodas de Elyandro, Tereza, Simara e João.

Na segunda parada desse trecho sentimos falta de um integrante, que, soubemos depois, foi acometido por fortes câimbras e estava a espera de resgate. “Se não aguenta, por que veio, nego velho?!” Acaso desconheces o chicote do Petry? Banana na veia, rapaz! Vem na roda da laranja, porque quem fica pra trás vira lenda!

De repente Raquel sente uma tontura seguida de fome. Começo a forçar o pescoço dela pra baixo, mas um colega sugere que eu a pegue pelas pernas e a vire de ponta cabeça. Preocupado, Elyandro pergunta se alguém tem sal para fazer a pressão da Raquel subir. Mas a mulher está faminta e tira dos bolsos o kit gula: um pacote de barra de cereal, uma caixa de Bis, um saco de granola, uma lata de pêssego, 200g de castanha e 2 quibes de carne de soja. Suspeito que ao chegar em casa ela tenha preparado um sanduíche com o pinscher antifuro e posto pra assar o bichano desaparecido!

Agora que Raquel acabou de jantar estamos indo de volta pra casa. Dez minutos de quebra pra cá, quebra pra lá e entramos no Kobrasol. O passeio termina. Alguns integrantes desejam rachar uma pizza, mas esperam Raquel ir embora, temerosos de outra crise de tontura...

Foi o passeio mais espetacular do grupo! Ritmo médio com trechos liberados para sprints. Alegria, aventura, suspense, emoção e a Via Láctea salpicando poesia! Demais! Agradeço a todos que me ajudaram ver a beleza sideral desse outono de sonhos!

Um forte abraço a todos!

Prof. Charles.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Imagens do passeio a Pedras Altas

Saída da Ciclo Vil. Destino: Pedras Altas.


Trocando o pneu furado da bicicleta da Tereza, nossa querida amiga.


Praia de Fora, em frente a casa de praia dos pais do Marquinho.

Prof. Charles e Aninha comemorando a chegada à Praia de Fora.


Dunga, Dengoso, Soneca, Atchim, Feliz, Zangado e Mestre, Enseada de Brito.


Os anões bagunçando a lenda...


Chegada a Pedras Altas. Apenas Nando ficou seminu...

Delfim, Ricardo e João na sombra em Pedras Altas.


Raquel exibe o joelho ralado. Nando esquecendo-se do celular. João Paz e Amor. Simara de perfil. Aninha "tenho que ir embora". E o prof. Charles lá dentro tomando aquela gelada! Opa!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

De Pedras Altas às altas pedras




Domingo, dois de maio. O sol estala seus chicotes de raios. Para não ter meu couro rasgado, exagero no protetor solar, o que me vale a alcunha de “fantasma da bicicleta”. Há uma excitação natural nos dez ciclistas que posam para as fotos antes da saída em frente a Ciclo Vil, pois o destino é a famosa praia de nudismo, Pedras Altas.

Marquinho, Joãozinho, Nandinho, Delfinzinho, Charlinho, Ricardinho, Aninha, Terezinha, Simarinha e Raquelzinha já estão serpenteando pelas ruas do Kobrasol. A luz do fim do túnel que se agacha sob a BR 101 é a esperança nua da manhã. O sol nos teria convencido de que o chão era feito apenas de pétalas envernizadas, se Tereza não tivesse encontrado um espinho varão e decidido. Ao ser penetrada pela fúria pontiaguda do vegetal desconhecido, a maciez do pneu traseiro da bicicleta de nossa amiga teve o hímen rompido impiedosamente. Solícitos, Nando e eu trabalhamos agora na reconstituição da nobre membrana a que os especialistas chamam de câmara.

Com a promessa de que o cheque será pago com cervejas, Tereza volta a pedalar. As dez bicicletas borboleteiam entre trevos, acostamentos e desvios. Entre conversas, confissões e cantorias, vamos florescendo pelo caminho. Aqui, sobre guidons e selins, uma “alegria de ir” invade nossos corações, porque quem veste uma bicicleta goza de felicidade infantil. Sé é certo que as crianças existem para que não se esqueça o riso, mas acertado está que os pedais existem para girar o mundo: “E o menino com o brilho do sol na menina dos olhos sorri e estende a mão, entregando seu coração...”

Com a música de Gonzaguinha tocando dentro de mim, assumo o leme do galeão dos sonhos que flutua sobre a ondulação do asfalto, ao sabor de suas velas laranja. Se eu tivesse cabelo, na certa eles tremulariam ao vento. Como só tenho penugens, elas se arrepiam o tempo todo sob o capacete. Por isso sinto um ouriço arranhar minha cabeça quando João inventa de furar o pedágio de Palhoça. Um cabo de aço impede que os ciclistas passem entre as pequenas colunas de concreto. João freia em cima e evita a queda. Segundos depois surge Aninha, que escapa do cabo de aço, mas não consegue evitar a colisão com o cone preto e amarelo (chapéu da bruxa do asfalto?!). Aninha não cai, mas o susto é grande para a família de ouriços que se espremem no alto da minha cabeça.

Fernando, que havia se juntado ao grupo nas proximidades do Giassi de Palhoça, alerta para o perigo da travessia da BR 101. Por dentro, estamos indo à Praia de Fora. Por fora, o mar nos namora em silêncio. O namoro só é interrompido quando Marquinho nos leva à casa de seus pais. Enquanto as meninas dão satisfação às urgências do baixo ventre, o que é urgente aos meninos é o registro da parada. E a parada é a seguinte: tirar fotografias.

Agora, sacolejar sobre os paralelepípedos de Enseada de Brito alegra nossas costelas. Na pequena praça, os sete homens do grupo posam para o cartão postal dos Sete Anões, o que diverte as quatro Brancas de Neve que nos acompanham. Até aqui nosso pedal foi um conto de fadas. O que pode haver além da lenda?

Último trecho: trilha de Pedras Altas. Simara dá um show de técnica e agilidade. Ricardo vence todos os morros. Eu e Tereza conversamos durante as retas e as descidas, mas na subida ela me pede para fechar a matraca. Deus, por que eu falo tanto?! Delfim parece um menino. Ele brinca nos morros como os golfinhos brincam nas ondas. Aninha combina as marchas e encara todas as subidas. Raquel fica ofegante, mas não desiste. Nando, Marquinho, João e Fernando se divertem com seus poderosos músculos, pois não precisam resgatar ninguém, apenas esperar uns minutinhos.

Pronto, chegamos! Uma placa avisa que para descer à praia são três reais por pessoa. Pessoa alguma do grupo se arrisca. Só João Curioso desce a trilha que dá acesso ao mar. Porém, em menos de um minuto ele está de volta assustado, dizendo que tinha um lobisomem pelado no bar e um leão marinho muito à vontade saindo da água. Sereia que é bom, nada! Sorrimos e demos meia-volta. Apenas Ricardo deu uma volta inteira, procurando descansar uns segundos a mais.

A trilha das Pedras Altas é traiçoeira! Raquel tem uma bicicleta nova. A trilha tem pedras soltas! Raquel tem uma bicicleta nova. A trilha escorrega, sobe, desce e faz curvas. Raquel tem uma bicicleta nova. A trilha tem inúmeras valas cavadas pelas últimas chuvas... Raquel tem uma bicicleta VELHA! Não vi a queda, apenas uma nuvem de poeira que envolvia a horta. Raquel com sua camisa cenoura mostrava o sangue beterraba no joelho. A bicicleta riscada tripudiava irônica, feito um cavalo branco quando refuga o salto e lança a amazona primeiro ao colchão de ar, depois às pedras do chão.

No Armazém de Enseada de Brito, enquanto Raquel retira as britas do cabelo crespo, tomo duas cervejas de garrafa e derrubo um X-Galináceo qualquer. Uns comem frutas, outros bolachas. Marquinho não bebe em serviço. Nando e Ricardo aceitam um copo. Gasto alguns minutos admirando as fotos de várias pescarias que o dono expõe na parede. Meu reino por um peixe frito!

De volta às bicicletas, todos estão hidratados, menos eu. A atenção prestada às cervejas não foi a mesma dada às caramanholas. Passo sede até encontrar um mercadinho aberto. Às margens da BR, Nando sente falta do seu celular. Raquel liga e alguém atende explicando que o “pai de santo” de Nando está no lugar onde tomei as duas cervejas, há dez quilômetros dali. João e Aninha haviam se despencado a toda velocidade minutos antes, porque ela tinha compromisso e ele não a deixou voltar só. Marquinho decide acompanhar Nando, numa socadeira daquelas!

Fernando assume o posto de capitão e puxa o grupo no trecho mais perigoso do passeio. De repente, ouve-se uma freada fortíssima atrás do grupo. Susto. Suspense... O que se passa só pode ser narrado em slow motion: Fernando ouve os pneus riscarem o asfalto. Ele puxa a bicicleta para o canto da pista. Quando o pneu dianteiro atinge o meio fio, a bicicleta gira no espaço, levando com ela o homem pássaro. O beija-flor para alguns segundos no ar, dá um triplo carpado e cai em pé, procurando o acidente que não aconteceu. As pernas dele tremem, mas não desapontam. “Voar é do homem!” Fernando se despede nas proximidades de Palhoça.

Recomposta, nossa equipe retoma os pedais. Ricardo sente o peso dos quilômetros. Simara, Raquel, Delfim e Tereza seguem adiante. Eu assumo o posto de “fechar o grupo”. Exausto, Ricardo senta num banco de ponto de ônibus e diz para eu seguir sozinho. Mas eu quero que ele complete todo o trajeto e o animo, pois estamos muito perto do trevo de Forquilhinhas. Então, ele se levanta para o último trecho, mas o pneu está vazio. Bomba, câmara, ação! O desgaste de Ricardo é tão grande que nem a bomba tem fôlego suficiente para inflar o pneu. Com extremo sacrifício, entramos no Kobrasol. Quando meu amigo parou na frente do Lar dos Velhinhos de Zulma, pensei que ele queria me internar de tão ranzinza que fui durante o caminho, retrucando toda vez que ele pensava em desistir. Despedimo-nos felizes por rodar mais de setenta quilômetros sobre um terreno misto e irregular em que asfalto, terra, lama, brita, poeira, costeleta, paralelepípedo, subidas e descidas destruíram nossa musculatura.

À noite, João, Tereza, Raquel, Nando e eu fomos ao Bar das Pedras, em Itaguaçu, para uma alegria de cervejas e aperitivos. Nando chamou pra uma viola nas altas pedras que por ali se instalaram há milhares de anos, à beira-mar. Fomos todos, menos Raquel, pois o sono a dominava e ela preferiu ir embora. E assim, na madrugada do dia três, quatro ciclistas viram as pedras de Itaguaçu cantarem e dançarem o reggae da Jamaica: “Is this love, is this love, is this love, is this love that I’m feeling?”


Prof. Charles.

sábado, 1 de maio de 2010

Primeiro de maio



















Primo e pombo só servem pra sujar a casa da gente. Praça e vidraça servem pra ver mais além. Eu vejo que o sol e a lua são as rodas da bicicleta azul do universo. Os primos cantam, os pombos voam, a praça ferve e as vidraças se enchem de emoção: é primeiro de maio!

Quando centenas de bicicletas se encontram, os corações pedalam. Palhaços giram em torno das crianças, piadas circulam entre os adultos e o vulto do espírito laranja do Pedal Continente assina a manhã colorida da cidade-santo. São José em festa, Marias por todos os cantos: Alessandra, Simara, Tereza, Raquel, Fabiana, Fernanda, Karol, Adilene, Adriana, Sirlene, Sandrinha, mas “em frente ao coqueiro verde/ esperei uma eternidade/ já fumei um cigarro e meio e Narinha não veio...”

Primo, prêmio. Pombo, voo. Nando, bicicleta florida com cestinha na frente para o balde de cervejas! Sandrinha precisou apenas de uma volta na bicicleta nova de Nando pra ficar tonta... de emoção! Olho, verde. Pele, clara. Eu quase que me declaro às objetivas da maratona fotográfica, mas quis medir a pressão: doze por oito. “Fui na lata de biscoito e tirei um, tirei dois, tirei três...” Há um comunismo na paquera: ela, foice. Eu, martelo. Alguém foi na minha vez, já era!

Depois dos clics e das orientações do Petry, as avenidas foram massageadas pelas bicicletas. A espinha dorsal do Kobrasol finalmente relaxava, apesar do barulho dos ciclistas. Polícia, apito. Criança, pirulito. E a buzina escandalosa da rapaziada de Palhoça estraçalhando os tímpanos! João e Rinaldo se equilibravam no guidão suave da alegria. Como é mesmo o nome daqueles primos dos pombos? Anjos! Amigos cuidam dos pequenos e dos marmanjos.

Chegamos. O fraque do gigante de perna de pau impressionava. O teatro desenrolava-se em comédia. Aplausos. A festa acabava. Com o sol de boliche derrubando nossa fome, fomos mastigar uns pinos no Zunino. Espeto corrido, vitória sentada. Mais um evento realizado com estrondoso sucesso. Ciclo Vil, Prefeitura de São José e SESC cumpriram com excelência a proposta do lazer no Dia do Trabalho. Primo, sono. À noite, cachorro-quente de pombo!

Prof. Charles.