Além dos já conhecidos benefícios, muitos esportes também produzem a imagem de uma letra poética: o “S” do surfista na página azul, o “i” distante do pára-quedista, o “K” do tenista, o “T” do ginasta, o “Y” do nado borboleta, o “M” do hipismo, o alfabeto incrível dos jogadores de futebol. Quando me decidi pelo “O” dos pedais, ainda não tinha clareza do universo milagroso desse círculo. E por não ser, para mim, um ofício, o prazer foi tomando viço.
Em cima de uma bicicleta os sentidos afloram. O ser urbano sai de cena e dá espaço ao antigo ser humano: o caçador. O instinto de sobrevivência obriga o ciclista a usar o tato para sentir o terreno, a visão para escolher o caminho, a audição para fugir do perigo, o olfato para obter pistas, o paladar para degustar a caça, a suculenta magia selvagem da liberdade.
Quem pedala percebe o mundo em detalhes. Aeronaves, automóveis e motocicletas, mesmo a passeio, abreviam a paisagem. Suas asas e seus motores possantes primam pelo conforto e anseiam pela chegada. A bicicleta é mais delicada, desacelera o tempo, flutua no silêncio das sombras que suspendem o caminho.
Pássaros e ciclistas tocam o vento. E quem se aventura a tirar as mãos do guidão abre as asas e voa! É nesse instante que os pardais se empoleiram nos selins, porque nas árvores só há ninhos de palha, não de felicidade. Pardais são vira-latas sorridentes do espaço, ciclistas são anjos da Ciclovia Láctea. Importa menos decifrar-lhes a linhagem que o canto.
Nas trilhas do interior, pedalar sob estrelas é fazer música. Tudo começa com o deslizar das notas de borracha sobre a partitura ocre da poeira. Os grilos cantam, a lua dança. E a percussão das pedrinhas balança as curvas sinuosas dos riachos. Se as cigarras sapateiam um flamenco, duendes vão à valsa. E basta que se acendam os faróis para que se ouçam os aplausos incontroláveis das mariposas. Há uma fragrância enraizada nos suspiros apaixonados da natureza.
Nas feiras, as frutas exalam o odor aprisionado das caixas. Nos campos, o perfume livre dos frutos pedala nas narinas dos ciclistas. Empinam-se goiabas; equilibram-se pitangas; manobram-se araçás. “Quem vai querer comprar bananas?” Não é preciso “melanciar” o pensamento em fatias para ver que só a bicicleta tem o nariz capaz de respirar a alma verde do planeta.
Ao girar os pedais, aciona-se a roda da vida, volta-se aos tempos de criança. Eu tinha uma professora que me dava zero com estrelinhas. Eu achava aquilo lindo! Os colegas que tiravam dez não entendiam meu encantamento pela nota ruim. É que eu não sabia desenhar. Então, o resultado escrito em vermelho no alto da minha prova passou a ser o veículo com o qual eu fugia (e ainda fujo!) para o mundo depois da escola.
Meus colegas e minha professora não podiam ver, mas estava tudo ali naquele zero com estrelinhas: o sol enrubescendo o horizonte, as estrelas curiosas se acotovelando no céu, o “O” frenético dos pedais escrevendo as voltas que eu daria pelos trópicos da esperança. A minha prova vazia era repleta dos símbolos poéticos do infinito. Mas isso, só a bicicleta sabia.
Em cima de uma bicicleta os sentidos afloram. O ser urbano sai de cena e dá espaço ao antigo ser humano: o caçador. O instinto de sobrevivência obriga o ciclista a usar o tato para sentir o terreno, a visão para escolher o caminho, a audição para fugir do perigo, o olfato para obter pistas, o paladar para degustar a caça, a suculenta magia selvagem da liberdade.
Quem pedala percebe o mundo em detalhes. Aeronaves, automóveis e motocicletas, mesmo a passeio, abreviam a paisagem. Suas asas e seus motores possantes primam pelo conforto e anseiam pela chegada. A bicicleta é mais delicada, desacelera o tempo, flutua no silêncio das sombras que suspendem o caminho.
Pássaros e ciclistas tocam o vento. E quem se aventura a tirar as mãos do guidão abre as asas e voa! É nesse instante que os pardais se empoleiram nos selins, porque nas árvores só há ninhos de palha, não de felicidade. Pardais são vira-latas sorridentes do espaço, ciclistas são anjos da Ciclovia Láctea. Importa menos decifrar-lhes a linhagem que o canto.
Nas trilhas do interior, pedalar sob estrelas é fazer música. Tudo começa com o deslizar das notas de borracha sobre a partitura ocre da poeira. Os grilos cantam, a lua dança. E a percussão das pedrinhas balança as curvas sinuosas dos riachos. Se as cigarras sapateiam um flamenco, duendes vão à valsa. E basta que se acendam os faróis para que se ouçam os aplausos incontroláveis das mariposas. Há uma fragrância enraizada nos suspiros apaixonados da natureza.
Nas feiras, as frutas exalam o odor aprisionado das caixas. Nos campos, o perfume livre dos frutos pedala nas narinas dos ciclistas. Empinam-se goiabas; equilibram-se pitangas; manobram-se araçás. “Quem vai querer comprar bananas?” Não é preciso “melanciar” o pensamento em fatias para ver que só a bicicleta tem o nariz capaz de respirar a alma verde do planeta.
Ao girar os pedais, aciona-se a roda da vida, volta-se aos tempos de criança. Eu tinha uma professora que me dava zero com estrelinhas. Eu achava aquilo lindo! Os colegas que tiravam dez não entendiam meu encantamento pela nota ruim. É que eu não sabia desenhar. Então, o resultado escrito em vermelho no alto da minha prova passou a ser o veículo com o qual eu fugia (e ainda fujo!) para o mundo depois da escola.
Meus colegas e minha professora não podiam ver, mas estava tudo ali naquele zero com estrelinhas: o sol enrubescendo o horizonte, as estrelas curiosas se acotovelando no céu, o “O” frenético dos pedais escrevendo as voltas que eu daria pelos trópicos da esperança. A minha prova vazia era repleta dos símbolos poéticos do infinito. Mas isso, só a bicicleta sabia.
Prof. Charles
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