quarta-feira, 14 de julho de 2010

O ouro da Cobrinha



A noite estava perfeita para assistir a um filminho debaixo do edredom. Por isso, apenas dez piguins imperfeitos pegaram suas bicicletas e foram serpentear pela estrada magnífica da Cobrinha de Ouro. Confesso que não senti frio, pois estava devidamente empacotado: camiseta, blusa, jaqueta e calça de agasalho com forro de flanela.

Na saída, tomei a dianteira (porque se eu não tomo na saída neguinho vai dizer que eu só ando na roda) e fui acompanhando o João por toda a marginal da BR 101. Ricardo e João pegaram o vácuo de uma jamanta e andaram acima de 40 km/h por um bom trecho. Quando entramos no trevo que leva a Santo Amaro, estávamos todos juntos: Mestre Rinaldo com seus pneus novos, eu com meus velhos pneus, Ricardo com seu entusiasmo, João com sua velocidade, Elyandro com seu joelho estourado, Castilho com sua luminosidade, Aline com sua excelente performance, Alexandre com sua Kveirice, Cássio com sua passada ritmada e Luciano com sua enxaqueca.

A primeira parada só ocorreu diante daquela “ponte sobre o rio que cai”, onde um pescador solitário matava uns pequenos peixes com lances de tarrafa. Aline bem que tentou registrar o momento, mas deu pau no equipamento e mesmo sem flashes atravessamos a ponte de assoalho de madeira, abaixando com cuidado nossas galhadas para não destruirmos as duas cabeceiras da ponte.

Mestre Rinaldo testava o pneu Continental comprado na loja do João e ganhava velocidade naquele sertão ladeado de plantação e coroado com estrelas. Eu bem que tentei acompanhá-lo, mas na estrada de terra quem tem pneu, anda, quem não tem, quebra! Quebrei duas vezes tentando acompanhar o “velhinho voador!” Ei, João, existe pneu Continental pra incrementar a “Cruel”? Eu quero uma dúzia!!!

No meio da escuridão fomos surpreendidos por uma espetacular estrela cadente, que deve ter caído em cima da cabeça do Luciano, pois ele deixou de reclamar da cabeça e agora reclamava de câimbras. Eu fiz o meu pedido para aquela luz verde que caía. Das outras vezes meus pedidos não foram atendidos porque eram estrelas azuis, vira-latas do céu. Mas essa era diferente: ponta avermelhada, cauda verde e rastro esbranquiçado. Essa é a estrela que faltava em minha vida! A que brilha mais que a braçadeira do Castilho! E que é mais verde que o olho do Rinaldo! Que cai mais que o Alexandre e é mais veloz que o João! Essa estrela é mais elétrica que a Aline, mais viva que o Luciano e mais forte que o Cássio e o Ricardo juntos! Essa estrela é mais flexível que o joelho do Elyandro, que dobra em “ai!” e desdobra em “ui, ui!” Ninguém sabe, mas essa estrela é o ouro da cobrinha! Logo, pedalar por ali é ficar rico!!

Voltamos direto pela 282. Cássio ia puxando eu e a Aline. De repente, o Kveira Alexandre nos ultrapassou e imprimiu um ritmo bastante forte, fazendo com que eu quebrasse mais uma vez. Reagrupamos no elevado da BR 101. Cássio novamente puxava eu e a Aline. Mas o Elyandro, que durante todo o pedal tomava conta para não danificar ainda mais o imprestável joelho, resolveu andar forte. Cansados, não conseguimos acompanhá-lo e só voltamos a nos falar nas proximidades do trevo de Forquilhinhas, quando o último agrupamento se deu.

Entramos na Ciclovia de São José às dez e trinta e oito, o que significa um bom ritmo, pois é comum chegar ali depois das onze! Kveiras de melancia, ou cabeças de repolho?! Não importa, a sopa da madrugada descansou alegre depois do banho quente.

Prof. Charles.

domingo, 11 de julho de 2010

Pedal ao Morro da Queimada


Salve cambada.

Sábado a tarde rolou um pedal bem massa, quando eu, Nivaldo e Wilian Belmont fomos até o Morro da Queimada em Santo Amaro da Imperatriz.

Saímos as 14:05h da frente da CICLOVIL e adentramos a BR 101 num ritmo bem tranquilo, guardando energias pra enfrentar o dito morro.

O Nivaldo, após algumas semanas sem pedalar ia no nosso vácuo no plano da marginal da BR 101. Ao pé do morro cada um imprimiu o seu ritmo. Subi legal até a parte de concreto da estrada, onde inevitavelmente dancei o "empurration", nova onda do Morro da Queimada. Logo cheguei no topo e contemplei solitariamente aquele espetáculo da natureza. Depois de simular uma cachoeira ao torcer minha camiseta que estava debaixo da jaqueta começou a bater o frio e resolvi descer. Nesse instante surge o Wilian com um sorrizão estampado e surpreso pela subida interminável e pelo seu bom rendimento frente a esse desafio, pois pedalou a maior parte do morro, dançando o empurration no mesmo lugar que eu.

Logo depois desponta Nivaldo, feliz da vida, pois mesmo sem estar condicionado fisicamente (ao menos como gostaria), quase zerou a morreba.

Curtimos mais um pouco lá em cima com as nuvens passando ao nosso redor, vezes bloqueando nossa vista , vezes abrindo um pouquinho pra gente poder observar com certa dificuldade o Cambirela, a Ilha, a cidade de Santo Amaro, etc.

Depois de observar atenciosamente as gotículas de água das núvens e tentar imaginar o nível de agregação molecular das mesmas até a formação das chuvas, despencamos morro abaixo.

Pra descer foi um abraço, em uma mescla de contemplação e emoção, o freio não deu total conta de uma curva fechada e acabei comendo alguns capinzinhos que pensei estarem crescendo demais.

O ponto de destaque foi a parceria, o estímulo mútuo e a troca de informação. É sempre um prazer compartilhar da experiÊncia de quem pedala há anos e muito conhecimento na área tem pra compartilhar, valeu Nivaldo.

Após descer o morro a parada obrigatória na padaria foi o auge do pedal. Devoramos uma coca bem gelada e um pudinzinho de coco que tava da hora.

Voltamos bem de boa novamente pela marginal da 101.

Pedal bem bacana pra gente repetir assim que possível.

Valeu Wilian e Nivaldo e até o próximo pedalzão!!!!

Baita abraço!!!

Leandro Karam

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Errar é divino!


Quando Raquel acerta a mão em sua famosa torta de banana, o mundo erra suas frutas. E não há receita para erros, sustos e contratempos. Errar é divino! Ontem tinha tudo para não ser e foi muito. Pra começar, errei a hora. Saí do apartamento da Raquel apressado julgando ser sete e meia, quando eram apenas seis e meia de uma noite estranha. Logo que termina a descida do Abraão fui fechado por um carro preto importado. O cara estava na fila e não me viu despencar a 50 km/h, por isso invadiu a pista na contramão. Raquel, que vinha atrás de mim, fez o que pode, ou seja, gritou: “Ai meu Deus!” No pequeno espaço que havia entre mim e o veículo assassino, a Cruel esnobou em perícia e habilidade. Equilibrando-se apenas na roda da frente, a danada deslizou comigo na vertical por uns cinco metros, um número circense que fez a Raquel acudir com “Ai, meu Deus! Ai, meu Deus! Jesus amado! Credo, Charles, credo!” Ainda com o cu na mão estacionei a Cruel e discuti com o motorista:
- Tá querendo me matar?!

- Eu não te vi!

- Mas eu tô de camisa laranja e com o farol ligado!

- E eu tava dando seta.

- Então basta dar seta e entrar na contramão?

- Eu não te vi!

- Então compra um óculos!

- Ah, vai, vai...

- Engraçado, se fosse um caminhão com os faróis apagados, terias visto. Como é uma bicicleta com o farol ligado, não viste nada!

- Ah, vai, vai...


E fui mesmo. Só quando cheguei na Ciclo Vil, vi o que Raquel já tinha visto: eram apenas sete horas! Enquanto eu e Raquel matávamos o tempo, que estava bem vivo ontem à noite, Castilho Power Ranger dava mais atenção à braçadeira luminosa que à carteira. Quando ele chegou à loja foi informado por telefone que dois policiais haviam encontrado sua carteira e estavam indo ao seu encontro. Alegria e alívio brilharam mais que as luzinhas castilhenses.

Aline teve um pneu furado assim que chegou à loja. Na saída, foi a vez do pneu do Luciano furar. Quando deixamos Forquilhinhas para trás e nos preparávamos para os morros do Desafio Jovem, Castilho envelheceu dois pneus e Aline mais um. Tentamos recomeçar outra vez o pedal, mas uma Trek furou o pneu. O jeito foi fazer o Desafio Velho mesmo, descendo e subindo a Avenida das Torres, cortando pelo Roçado e voltando para a Ciclo Vil, nosso ponto de partida. Como sobrava gás em todo mundo, desfilamos pelo estacionamento do Shopping Itaguaçu.

Depois veio a fome, e ali no Rei Dog, onde o Au Au não morde seu estômago, descobrimos um garçom meio pato. Primeiro, o rapaz disse que eu deveria me sentar para que ele pudesse fazer o pedido, o que significa que ele sofre da “Síndrome da Surdez em Pé”. Mas quando todos se sentaram, o rapaz demonstrou ter outras síndromes: “Síndrome da Confusão”; “Síndrome da Burrice”; “Síndrome da Impaciência”; “Síndrome do Mau-humor”; “Síndrome do Pânico a Ciclistas Famintos”, etc. Castilho Power Ranger pediu uma cerveja sem álcool e o rapaz fez uma cara de nunca ter ouvido falar em bebida de super-herói. Porém, o grande momento do lanche foi quando a Raquel fez uma pergunta filosófica:

- Qual é o tamanho do pão?

- ?!

- Qual a diferença entre o Dogão e o Dog?

- O Dogão é grande e o Dog é pequeno.

E porque tudo é tudo e nada é nada, ontem as calorias foram mais consumidas que consumadas. O jeito é atrapalhar o pedal dos Kveiras na quinta, convocando os Kostelas e suas câmeras esburacadas. Errar é cretino!

Prof. Charles.

terça-feira, 6 de julho de 2010

De volta à Baía dos Golfinhos


No último sábado, dia 3, saímos para mais um passeio à Baía dos Golfinhos. O convite foi feito pelo Elyandro, ciclista experiente que pedala cerca de mil quilômetros por mês. Às oito e quinze da manhã eu, Poletto, Sandro e Elyandro nos encontramos com Rodrigo, Wilian e Tereza na Ciclo Vil. Em Barreiros o amigo Alexandre se juntou a nós e em Biguaçu completamos o grupo com Joaquim.


Até a entrada para a Armação da Piedade, quando deixamos a perigosa BR 101 e passamos a curtir o silêncio dos verdes e dos azuis daquelas plagas, fomos em dois blocos. À frente, imprimindo um ritmo forte, pedalavam Sandro, Elyandro, Poletto, Alexandre e Rodrigo. Nas retas e nas descidas eu encostava nesse grupo, mas na subida o Sandro me sacaneava com sprints de 500 metros. A galera mais forte o acompanhava, mas eu e a Cruel somamos juntos 96 kg e isso é uma injustiça! Optei por pedalar ao lado de Wilian, Joaquim e Tereza.


O trecho que leva à Baía dos Golfinhos é magnífico: asfalto perfeito, poucos carros, pastagens, casas bucólicas e, é claro, mar azul.


E para quem tem a bexiga pequena tem até vaso sanitário no mato!


Quando se conhece o caminho, tudo parece mais fácil. Encarei os morros sem maiores dificuldades.


A minha única preocupação era chegar primeiro na padaria e comer um risólis de camarão antes do Sandro. Mas, resolvi tirar umas fotos e o cara disparou na minha frente. Quando cheguei à fábrica de sonhos encontrei Sandro diante de três risólis e de uma garrafa de dois litros de Coca-Cola. Restou-me, então, o plano B: uma coxinha de galinha e um empanado.


Após o lanche fomos até o Restaurante do Fedo apreciar a praia da Fazenda da Armação, local paradisíaco.


Ali, Rodrigo arrumou sua bike para uma foto artística sem se importar com o tom zombeteiro da galera que não tem o olhar fotográfico. A nossa volta foi pela serra. Eu estava de ressaca e preocupado em passar mal nesse trecho. Por isso, toquei na frente, pois se eu enfartasse meus amigos dariam um jeito de me socorrer (eu acho...). Para a minha surpresa, subi num excelente ritmo até o topo, abrindo mais de cinco minutos do segundo a chegar. É que eles haviam parado para bater foto enquanto eu me acabava para vencer a montanha.


Fui enfático ao falar da tal curva fechada à esquerda de quem desce. Por isso, até essa curva, todos desceram com muito cuidado. Depois foi só alegria. Enquanto a Alemanha goleava a Argentina, despencávamos das alturas na casa dos 80 km/h!!! Apenas o Joaquim não liberou os freios nem nas descidas nem nas subidas. O lema dele é “devagar e sempre”. Por isso, foi o último a descer.


Pegamos o vento a favor na BR 101. Sandro estava pronto para dar seu bote e sumir naquela imensidão de asfalto, mas eu falei no ouvido da Cruel: “siga aquele homem”. Ele começou devagar... a Cruel na roda. Porém, a cada clic da marcha que descia, a velocidade aumentava... a Cruel na roda. Quando Elyandro encostou, eu tinha certeza de que não iria suportar tanta velocidade, mas... a Cruel na roda! Os dois chegaram a abrir uns 200m, mas eu busquei na descida, momento em que eles descansavam. Fui embutido nos dois até o caldo de cana perto da Polícia Rodoviária. Nesse trecho, houve um momento em que o Wilian nos ultrapassou e abriu, mas minutos depois o ultrapassamos e ele ficou.


Quando Tereza e Joaquim chegaram nós já havíamos comido dois sacos de amendoim e a primeira rodada de caldo de cana estava saindo. A Alemanha marcava o quarto gol e o Maradona ficava sem mais nem Messi. O cansaço havia feito um grande estrago na aba inferior do meu pulmão esquerdo. Então, voltei tranquilamente tricotando com Tereza, pormenorizando os poréns da amizade.


Esses pouco mais de 80 km farei sempre que puder, pois é a união perfeita entre a resistência e a superação, entre a disposição e a sublimação, entre o azul do agora e o verde do futuro.


Enquanto turistas se juntam aos golfinhos, ciclistas se espalham por esse caminho sinuoso e a vida segue seu curso, desenhando cenários cada vez mais deslumbrantes.

Prof. Charles.

Fotos de Wilian Belmonte

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Sonho real


Todas as quintas os Kveiras treinam. O que significa ser um Kveira? Significa andar forte, visando à evolução do condicionamento e ao aprimoramento da técnica. Significa também um esforço de aumentar a quilometragem e diminuir o tempo, preparando-se assim para futuras provas de mountain bike.

Não se vira Kveira da noite para o dia. É preciso muito treino, disciplina e dedicação. Até se transformar num Kveira é preciso passar pela categoria dos Kostelas. Apaixonados pela arte de pedalar, os Kostelas vão girando os pedais em busca de um ritmo capaz de lhes suprir as necessidades vitais. Encontrado o ritmo adequado, gradualmente vão ganhando experiência, resistência e aumentando a velocidade. Um dia amanhecem Kveiras.

Os Estribos são os aspirantes a Kostelas. Eles, naturalmente, fecham o grupo. Esses ossinhos pequeninos que pedalam pelos labirintos do ouvido vão ouvindo uma coisinha aqui, outra ali e vão se aventurando pela floresta dos erros até que um dia acertam e viram Kostelas.


Kveiras, Kostelas e Estribos formam a família do Pedal Continente. Todos são importantes e muito bem-vindos. Todos são os ossos do ofício da vida. E se para muitos a vida é um osso duro de roer, para nós viver é articular o prazer com a qualidade de vida. Talvez, por dentro do crânio, não saibamos a dimensão exata do esqueleto que formamos juntos. Entretanto, por fora do fêmur sentimos a solidez de um grupo que cresce em número, em confiança e em importância. E cresce rápido!

Nada justifica melhor a vida do que o prazer e a alegria. E isso é confirmado a cada passeio. Enquanto as pessoas normais matam um leão por dia para sobreviver às dificuldades que se lhes impõe o mundo, nós, os “fora da casinha”, fazemos o contrário: salvamos muitos leões por dia! Amantes da natureza e inimigos do estresse, trazemos o equilíbrio do ciclista para dentro de nossas vidas. O resultado é que nos tornamos diferentes e marcamos “consultas” com mecânicos, empobrecendo psicólogos e analistas.


A harmonia, muito mais que os músculos, é a responsável por animar nosso esqueleto. E se nosso raio X é harmônico, nosso código genético traz as figuras lendárias de João e Rinaldo pedalando pelas trilhas dos gametas e gritando: “Cromossomos felizes!!!”. Não precisa ser poeta ou cientista para confirmar o que digo. Basta subir na bicicleta e flutuar no tempo. Esse momento é o que supomos ser “o sonho real”. Mas não feche os olhos: “Buraaaaaacoooooo!!!!” “Caaaaarrrrroooooooo!!!!” Olha o ônibusssssssss!!!!!”

Prof. Charles.